Reflexões sobre a Locação por temporada por curtíssimo prazo (Airbnb e similares)

Hoje vamos abordar um assunto muito polêmico no âmbito condominial, e ainda um tanto confuso na esfera normativa: a possibilidade de locação por temporada por curtos períodos, ou melhor, curtíssimos períodos.

Alguns dos meus condomínios assessorados no jurídico consultivo condominial, apesar de puramente residenciais em seus fins, passam por esta situação principalmente a partir do momento que aplicativos como o Airbanb tomaram uma proporção gigantesca e alguns proprietários viram a possibilidade de lucro muito grande alugando suas unidades condominiais várias vezes por mês para diversas pessoas diferentes.

Os síndicos geralmente chegam até nós com muitas dúvidas (e eu como Síndica Profissional que sou, caso não fosse da área jurídica, também teria essas dúvidas): querem saber se podem proibir a locação por temporada por curtos períodos (essas que acontecem principalmente pelo citado aplicativo), se o condomínio pode regularizar essa situação somente por meio de assembleias e isso bastaria, se devem mudar o teor do regimento interno ou mesmo da convenção condominial, entre outras medidas.

O corpo diretivo deste condomínio necessitava de um parecer sobre este tipo de locação, bem como de orientações sobre como enfrentar os problemas decorrentes deste tipo de locação.

Devemos lembrar que o direito à propriedade está previsto na Constituição Federal, o que se verifica no seu artigo 5º, inciso XXII:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XXII – é garantido o direito de propriedade;

Encontramos também o direito de propriedade ainda bem elencado no artigo 1.228 do Código Civil:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Por que eu comecei colando aqui estes artigos? Primeiro para demonstrar claramente que é permitido ao proprietário transferir a outrem, ainda que de modo temporário, dois dos elementos da posse: o de usar e gozar o bem por meio do instituto da locação, comodato ou cessão de direitos.

Porém, a nossa atualidade locatícia nos coloca de frente com dois modos de locação: a locação por temporada, e a locação por temporada realizada por curto espaço de tempo, sendo muito comparada à hospedagem que tem fins comerciais e não residenciais, e o nosso maior exemplo deste modelo, são aquelas realizadas via aplicativo Airbanb, e tantos outros que vem surgindo no mercado imobiliário.

O artigo previsto na Lei 8.245/91, que trata da locação por temporada, ou seja, permite que o proprietário realize a locação por temporada somente para fins residenciais, elenca que:

“Art. 48. Considera – se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.”

Porém temos aquelas locações que muito se assemelham a meu ver às hospedagens: geralmente são imóveis locados por três, quatro, cinco dias, podendo chegar até um pouco mais, mas que não se caracterizam os fins residenciais, estando o locatário “de passagem” sem o intuito de manter-se um determinado tempo nele como se morador fosse. Alguma semelhança com as estadias hoteleiras?

Se você também conectou esta semelhança, eu devo lembrá-los que as hospedagens têm um tratamento diferenciado dentro da Lei já que estes precisam possuir licença de funcionamento, ou no caso de condomínios residenciais, precisam possuir licença de construção para esse formato prevendo a viabilidade de se fornecer serviços de hospedagem discriminado no ato constitutivo ou na convenção do condomínio (Ler artigo 24 da Lei Federal n.11.771 sobre a Política Nacional do Turismo).

Hoje, não há como se afirmar através dos estudos da nossa legislação se é realmente permitido ou não que os proprietários realizem locações por temporada para fins residenciais por curtos períodos, ainda mais quando o próprio direito de propriedade não é absoluto, encontrando limites dentro da própria lei:

Art. 1.336. São deveres do condômino:

(…)

IV – Dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

 

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Podemos então proibir então as locações por temporada por curto período, principalmente através dos modernos aplicativos, podendo até mesmo discutir que este tipo de locação foge do cunho residencial assemelhando-se com o cunho comercial das hospedagens?

Mais uma vez, infelizmente não se pode afirmar, pois hoje existem duas grandes e fortes correntes sobre este assunto:

– A primeira defende que quando o uso do imóvel tem características de hospedagem, “há um misto de contrato de locação de coisa e de locação de serviços, caracterizando, muito mais, o contrato atípico de hospedagem.”, como aduziu o Ilustre Dr. Sylvio Capanema de Souza

– A segunda, que entende que o direito constitucional de propriedade é absoluto e que permite que o proprietário de determinado imóvel use, goze e disponha do imóvel da forma que melhor lhe convir. 

Não temos nada na nossa legislação hoje que vede esta modalidade de locação, mas devemos salientar acima de tudo que, em qualquer modalidade de locação, esta deverá sempre estar em conformidade com o que determina as leis internas do condomínio.

Assim, o proprietário de uma unidade condominial possui o direito de locar a unidade para fins residenciais (a convenção determina que o condomínio é para este fim) e em caráter temporário, mas este direito não pode sobrepor ao direito dos demais, ou seja, da massa condominial.

E mais: apesar de não haver expressa vedação legal aos proprietários que queiram locar sua unidade por temporada (curta ou não) para fins residenciais, eles devem sempre cumprir o que determina a legislação vigente no que diz respeito aos deveres dos condôminos, como não prejudicar a segurança e o sossego dos demais condôminos, o que infelizmente é o que mais acontece nos condomínios onde tais locações por curto prazo e por aplicativos como o Airbnb são realizadas; a grande maioria de advertências, multas e ações judiciais em nosso escritório com o tema locação por temporada, referem-se às de curto prazo e por aplicativos.

Pelos últimos entendimentos dos nossos Tribunais, o condomínio poderia restringir o direito de propriedade por meio de deliberação assemblear quando constatasse, por meio de prova cabal e robusta, que a unidade estivesse sendo locada para fins comerciais (não residenciais) e prejudicasse o sossego e a segurança dos condôminos.

 

Entretanto, existe ainda posicionamento contrário e bastante defendido no território nacional no sentido de que proibir a locação infringe diretamente o direito constitucional da propriedade e a Lei 8.245/91 e que pode gerar indenização àquele que teve seu direito cerceado

Apesar da existência de dois posicionamentos jurisprudenciais sobre a proibição ou permissão da locação por curtos períodos em condomínios, é possível adequar as normas internas à realidade do condomínio, a fim de que não haja conflito tanto com o direito de propriedade quanto com o direito dos condôminos, e esse é o caminho que particularmente venho adotando com meus assessorados, por exemplo, sugerindo a mudança do Regimento Interno, estabelecendo regras mais severas para este tipo de locação por curto período, quando o nosso cliente condomínio tem problemas sérios com este de tipo de contrato.

Costumo sugerir que o condomínio, em vez de proibir totalmente esse tipo de locação o que poderia ferir o direito de propriedade, crie regras para disciplinar as entradas e saídas dos locatários/hóspedes temporários.

Posso citar aqui algumas sugestões para as mudanças do regramento interno condominial (e que este assunto seja levado para uma posterior atualização da Convenção Condominial que neste momento deverá abarcar outros assuntos dos novos tempos bem como aqueles necessários à continuidade da vida condominial) e assim coibir alguns abusos e de certa forma dificultando que pessoas de comportamento inadequado possam trazer algum desassossego aos condomínios:

– Exigir registro prévio e apresentação de documentos dos hóspedes;

– Solicitar a presença do proprietário na chegada e/ou na saída dos hóspedes, para recebê-los;

– Entregar uma cópia das normas internas para os visitantes, como horários de barulho, retirada de lixo e regras de uso de garagem;

– Notificar e multar as unidades onde haja desrespeito das regras – não esquecer das provas: registro em livro de ocorrências, filmagens, fotos etc. (a multa vai para o proprietário);

– Regrar o acesso à piscina e áreas comuns (pedir exame médico ou limite máximo de visitantes por unidade, por exemplo, podem inibir o seu uso por qualquer pessoa);

– Limitar os dias mínimos da locação curta (exemplo, no mínimo uma semana ou dez dias de locação), entre outras medidas que poderão ser estudadas conforme as necessidades do condomínio.

Através destas soluções, realizando a alteração das normas condominiais internas, desde que com a correta adequação, permite ao condomínio a sua exigência e a aplicação de penalidades frente ao seu descumprimento, bem como a aplicação das penalidades previstas no artigo 1.337 do Código Civil, podendo até considerar o condômino de conduta antissocial, respeitado o quórum e as exigências legais.

É possível que a alteração das normas condominiais seja realizada tanto na Convenção Condominial, quanto dentro do Regulamento Interno, desde que atendidas as exigências legais relativas ao quórum para aprovação em assembleia.

O fato é que, na nossa realidade, os aplicativos fizeram o volume de aluguéis de temporada aumentar muito, e as pessoas ficaram inseguras por não saber quem frequentará o prédio ou por quanto tempo irão ficar, se serão pessoas idôneas ou não, se haverá perturbação do sossego com festas de fim de semana, entre outros problemas relatados para nós advogados condominialistas

 

Amanda Accioli

Síndica Profissional e Advogada Condominialista

Instagram: @acciolicondominial

amandaaccioli.adv@gmail.com

 

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