Os contratos do setor imobiliários são regidos por leis específicas, mas isso não impede a incidência do Código de Defesa do Consumidor, nos casos em que a relação for de consumo.
Apresentaremos os principais contratos relacionados com as atividades do setor imobiliário, para que as normas do direito consumerista que a eles se refiram tenham a devida análise e enquadramento.
Contrato de Compra e Venda e Contrato de Promessa de Compra e Venda
O contrato de compra e venda é destinado a disciplinar a relação entre o vendedor e o comprador, sendo que o vendedor se obriga a transferir a propriedade de determinada coisa, móvel ou imóvel, e o comprador, a pagar-lhe o preço em dinheiro.
Trata-se de um contrato que se efetiva na mesma ocasião em que constitui a obrigação. Por sua vez, o contrato de promessa de compra e venda é uma modalidade de contrato preliminar que é utilizado nas hipóteses em que não é possível efetivar as prestações das partes no momento em que nasce a obrigação. Desta forma, pelo contrato de promessa de compra e venda, as partes ou uma delas se comprometem a cumprir prestações pré-determinadas e a efetivar o negócio principal.
O contrato de compra e venda e o contrato de promessa de compra e venda são regidos, em regra, pelo Código Civil, e o contrato de promessa de compra e venda ainda tem a incidência da Lei nº 6.766/79, com as alterações que lhe são posteriores, que disciplina promessa de compra e venda de terrenos em loteamentos urbanos.
Os contratos de compra e venda e o contrato de promessa de compra e venda importam na transmissão e futura transmissão, respectivamente, de uma coisa imóvel, que implicará a transferência de titularidade da propriedade do imóvel. Assim, o transmitente é o fornecedor caso o consumidor seja o destinatário final do imóvel. E o imóvel caracteriza-se como um produto.
Contratos de intermediação imobiliária
Pelo contrato de intermediação ou corretagem, o corretor executa a mediação entre pessoas a fim de realizar um negócio jurídico e, uma vez obtido o resultado previsto no contrato de mediação, o corretor terá direito a receber a remuneração ajustada entre o corretor e o cliente contratante.
O profissional corretor estará habilitado a desempenhar a profissão mediante a posse do título técnico em transações imobiliárias, e a lei que rege esse profissional é a Lei nº 6.530 de 12 de maio de 1978. Para que o corretor tenha maior garantia na intermediação imobiliária, é importante que ele contrate por escrito o cliente, pois será por meio do contrato escrito que o corretor poderá provar a sua relação jurídica com o cliente contratante.
Oportuno destacar que trabalhar sem o contrato de intermediação imobiliária é ilegal, apesar da prática de alguns mercados não adotarem tal formalidade. A questão vem disciplinada pelo inciso VI do Art. 1º Resolução nº 5 do COFECI, de 09 de setembro de 1978 e inciso IX do Art. 4º da resolução nº 326 do COFECI, de 25 de junho de 1992. Entretanto, caso não tenha sido realizado o contrato escrito, o corretor, ainda assim, poderá provar a sua relação jurídica com o contratante, todavia, ele estará criando um trabalho a mais para si, que é provar a existência da relação jurídica. A remuneração devida ao corretor, caso não tenha sido previamente ajustada, será determinada pelo juízo conforme os costumes locais ou proporcional aos serviços realizados pelo corretor.
É o Código Civil que disciplina o contrato de corretagem nos Art. 722 e 729.
Assim, aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor os contratos de corretagem, tendo em vista que o corretor desenvolve atividade econômica com profissionalismo, logo preenche os requisitos elencados no Art. 3º do CDC, configurando-se na condição de fornecedor de serviços.
Contrato de Incorporação imobiliária
Nos termos da lei que dispõe sobre condomínio e as incorporações imobiliárias – Lei nº 4.591 de 16 de dezembro de 1964 – a atividade de incorporação consiste no compromisso de venda de frações ideais de um determinado terreno, correspondentes a unidades autônomas integrantes de edificações em regime condominial sendo que o empreendimento imobiliário deverá estar previsto para construção futura ou estar em construção. Portanto, não há que se cogitar sobre incorporação imobiliária para obras já concluídas.
O incorporador é responsável pela efetiva entrega das unidades futuras perante os promissários compradores nas condições anunciadas e dentro do prazo estipulado. Desta forma, o incorporador, que pode ser pessoa física ou jurídica, submete-se à lei nº 8.078/90, tendo em vista que o incorporador faz a oferta de venda de frações ideais do terreno que corresponderão a unidades futuras no empreendimento. A oferta deve ocorrer por meio de publicidade verdadeira e não abusiva de forma que o consumidor tenha condições de realizar o negócio jurídico com transparência absoluta.
Há que se considerar também a incidência das normas consumeristas quando o contrato se apresenta sob a forma de formulário padrão, ou seja, sem a possibilidade do consumidor adequar o contrato aos seus interesses ou no mínimo discutir as cláusulas contratuais. Nesse caso, aplica-se a regra do Art. 46 do Código de Defesa do Consumidor. O incorporador, na condição de fornecedor, responde perante o consumidor pelos vícios do produto, sejam aparentes ou ocultos, que possam surgir após a tradição do imóvel para o consumido.
Caso ocorra a rescisão do contrato entre incorporador e o consumidor, o CDC admite como direito do consumidor ter restituídas as parcelas pagas, permitindo o desconto referente às despesas de administração do contrato realizadas pelo incorporador. Nos casos de incorporação por administração, o adquirente também é ressarcido na forma do Art. 53 do CDC.
Ainda é de destacar a Lei nº 10.931 de 2 de agosto de 2004, que entre outras providências, cria o patrimônio de afetação. Pelo patrimônio de afetação o empreendimento imobiliário, terreno e suas acessões, ficam apartados do patrimônio do incorporador. Assim, o empreendimento imobiliário não responderá por obrigações do incorporador, mas somente por obrigações oriundas da incorporação, além disso, se o incorporador falir, o empreendimento não integrará a massa falida, podendo ser continuada a sua execução pelos compradores, promissários-compradores consumidores.
Contrato de empreitada
Pelo contrato de empreitada, o empreiteiro obriga-se a fazer, direta ou indiretamente por meio de sub-empreiteiro, uma obra, mediante remuneração a ser paga pelo dono da obra ou contratante. A empreitada, que pode ser realizada por pessoa física ou jurídica, poderá ser de material e/ou de mão de obra. Se o empreiteiro fornecer apenas o trabalho, a empreitada será denominada de lavor.
Se o empreiteiro fornecer, além do trabalho, o material, a empreitada será denominada de empreitada mista ou global.
O contrato de empreitada, seja a de lavor ou a empreitada mista ou global, regula-se pelo Art. 610 a 626 do Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Não obstante a isso, na relação de empreitada incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor.
Contrato de locação predial urbana
A princípio, sobre a relação de locação de imóveis não incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor, pois além de ter lei específica – Lei nº 8.245/90 -, a relação de locação não é considerada uma relação de consumo, por faltar-lhe as características inerentes da relação de consumo.
Pelo contrato de locação, o locador se obriga a ceder ao locatário, por tempo determinado ou indeterminado, o uso e fruição de coisa não fungível, mediante certa retribuição, o pagamento do aluguel. Ao final da locação o locatário tem o dever de restituir a coisa para o locador. Desta forma, o que é transmitido na relação de locação e o direito pessoal de utilização e fruição da coisa, de acordo com o convencionado no contrato, e não a coisa material. Vista a relação locatícia, por esse ângulo, o locador não é fornecedor e inexiste produto ou serviço.
Existe o entendimento minoritário de que o contrato de locação, apesar de ter lei própria, apresente característica de uma relação de consumo, e a partir dessa constatação ter a incidência das regras consumeristas. Neste sentido, o Código de defesa do Consumidor é a norma de ordem pública e de interessa social que pode ser aplicada às relações particulares, ainda que essas relações derivem de negócios jurídicos com leis específicas.
Assim, para os adeptos desta corrente jurídica minoritária, a lei de locações e o Código de Defesa do Consumidor coexistindo normativamente podem ser aplicados nos contratos de locação. A lei de locações será aplicada, por óbvio, ao contrato de locação por dispor de normas que regem a relação locatícia; por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor poderá ser aplicado nas relações de consumo oriundas do contrato de locação.
Nesse sentido, para esta corrente minoritária, quando um contrato de locação for administrado por uma sociedade empresária do ramo imobiliário, que corriqueiramente, utiliza contrato padrão para realização da locação, haverá a incidência das regras do Código de Defesa do Consumidor.
Em sentido diverso, seguindo a corrente majoritária, temos como princípio de Direito que a lei especial se aplica na matéria que ela regula, ficando a lei geral com aplicação subsidiária, no que forem compatíveis. Procura-se estabelecer a convivência harmônica entre as normas gerais e especiais que versem sobre o mesmo assunto. Tal regra consiste no princípio da conciliação ou das esferas autônomas, conforme previsto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Deste modo, a Lei do Inquilinato é a lei de natureza especial, que versa sobre as locações de imóveis urbanos, havendo aplicação das normas gerais de locação do Código Civil, em caráter subsidiário. Neste ponto, não restam dúvidas.
Contudo, a questão que ainda encontra contenda no meio jurídico é sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. O ponto de convergência de ambas as leis é o de que vieram a lume para corrigir distorções de relações negociais, protegendo as partes vulneráveis na relação contratual.
No entanto, ao analisarmos a especificidade das leis, veremos que o Código de Defesa do Consumidor traz normas gerais, enquanto a Lei de Locações é especial, razão pela qual esta deve prevalecer.
Prosseguindo, a Lei de Locação e o Código do Consumidor possuem algumas normas incompatíveis entre si e, nestes casos, apenas uma delas poderia ter incidência sobre a locação, conforme já colocamos, com base na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
A relação de consumo é definida pelo Código de Defesa do Consumidor, que traz no artigo 3º o conceito de consumidor e de fornecedor. Da leitura do referido artigo, podemos concluir que o locador não se enquadra no conceito de fornecedor e, portanto, não haveria uma relação de consumo na locação. Com efeito, o locador não realiza quaisquer das atividades descritas no referido dispositivo e que poderiam caracterizá-lo como fornecedor.
Deste modo, não há relação de consumo na locação, que é celebrada entre contratantes em posição de equilíbrio, com eventuais distorções corrigidas pela aplicação da própria Lei do Inquilinato, que regula o tema, razão pela qual não há que se equiparar locador e locatário ao fornecedor e consumidor.
Para aplicação do CDC, seria necessário, além da configuração da relação de consumo, a verificação da hipossuficiência do consumidor, o que não é encontrada nos contratos de locação. Em geral, na locação existe um equilíbrio contratual, onde as partes podem livremente discutir e dispor os termos que pretendem pactuar, mais ou menos afetada pela relação de oferta e demanda do mercado.
Na realidade do mercado, não há uma “inferioridade técnica” notável, por parte do locatário, que enseje a intervenção da legislação consumerista. Nem mesmo quando há a intermediação de uma imobiliária, por exemplo, fica evidenciada essa hipossuficiência, não havendo desequilíbrios relevantes nas esferas jurídicas, econômica, técnica e informacional.
A par dessa discussão, encontramos disposição expressa da Lei nº. 8.245/91, que em seu artigo 79, determina a aplicação supletiva do Código Civil e do Código de Processo Civil nos casos omissos. A lei do inquilinato é temporalmente posterior e não faz nenhuma menção à aplicação do CDC nas relações de locação.
Os Tribunais também seguem o raciocínio da inaplicabilidade do CDC às relações locatícias, considerando que não existe relação de consumo entre locador e locatário, pois não podem ser comparados a consumidor e fornecedor.
“LOCAÇÃO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – MULTA – A Lei de Locação não se confunde com o Código de Defesa do Consumidor. Em sendo assim, a multa pode ser diferente.(STJ – 6ª T.; Rec. Esp. nº 131.851-SP; Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro; j.23.09.1997; v.u.).
ACÓRDÃO. LOCAÇÃO. MULTA CONTRATUAL. LIVRE DISPOSIÇÃO DAS PARTES.
A Turma deu parcial provimento ao recurso, entendendo que o Código de Defesa do Consumidor não alcança as relações locatícias por não guardar a locação, em si, uma afinidade com a atividade típica de consumo ou de prestação de serviços. Destarte, as partes podem convencionar livremente a imposição de penalidade contratual pelo descumprimento de quaisquer obrigações pactuadas; não havendo, assim, que se falar em ilegalidade na cobrança da multa moratória de 20%, estipulada no contrato. REsp 208.362-MG, Rel. Min. Vicente Leal, julgado em 20/3/2001.
Encontramos os debates no campo doutrinário, mas a polêmica já foi superada pelo Superior Tribunal de Justiça, que firmou jurisprudência no sentido de negar a aplicação das normas do CDC aos contratos de locação. Vejamos a seguir:
CIVIL – RECURSO ESPECIAL – LOCAÇÃO – DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO – MULTA MORATÓRIA CONTRATUAL – LEI DE USURA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INAPLICABILIDADE.
1 – Outrossim, é entendimento pacífico no âmbito desta Corte Superior de Uniformização Infraconstitucional a não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078⁄90, com a redação dada pelo art. 52,d a Lei nº 9.298⁄96) nos pactos locatícios, especialmente no que se refere à multa pelo atraso no pagamento do aluguel, já que firmados de forma diversa (livre convenção) e nos termos da legislação pertinente (Lei nº 8.245⁄91).
2 – Precedentes (REspnºs 262.620⁄RS, 266.625⁄GO e 399.938⁄MS).
3 – Recurso conhecido, porém, desprovido.
(STJ – 5ª Turma – Resp 324.015 – Relator Min. Jorge Scartezzini – Decisão Unânime – julgado em 03 de Outubro de 2002).