Até meados dos anos 60, o processo de fracionamento da propriedade rural não possuía limitação de divisão, e as partilhas de imóveis ocorriam com o simples desmembramento das áreas. Desta forma, o fim de um condomínio rural acontecia de forma simplificada, e cada detentor da parte de um imóvel recebia uma parcela fisicamente demarcada, ficando de pronto livre para dispor do bem.
Com o advento do Estatuto da Terra surgiu a delimitação do módulo rural, que passou a delimitar a subdivisão da terra, visando evitar a criação de pequenas propriedades improdutivas.
O efeito colateral da delimitação do módulo rural foi o aparecimento dos condomínios rurais, que são a existência de áreas rurais compartilhadas por mais de um proprietário, porém como sua constituição via de regra não se dá de forma voluntária, tal formato acaba por acarretar conflitos e prejuízos quando da sua extinção.
A origem etimológica da palavra condomínio significa ter domínio junto, ou seja, quando várias pessoas são proprietárias ao mesmo tempo de um mesmo imóvel.
Os problemas se intensificam quando estamos diante de um Condomínio Pro Indiviso, que significa que cada condômino possui uma parte/percentual ideal do todo, não existindo divisão de área privativa materialmente.
De tal modo, todos os condôminos/proprietários possuem os mesmos direitos sobre a totalidade do imóvel de forma concomitante, o que comumente gera conflitos.
Neste tipo de relação, o direito à propriedade da fração é efetivamente transferido e particionado, todavia sua configuração geométrica e localização específica dentro do “todo maior” é omitida e todos os proprietários passam a compartilhar um “condomínio rural”.
Portanto, quem adquire uma “fração ideal” de um imóvel rural recebe uma “parte dentro de um todo maior”, que não tem localização especifica, o que é um grande causador de conflitos.
Como regra, os condomínios rurais têm uma sobrevida inicial harmônica. Em geral se dão em razão do parentesco entre as partes, que facilmente ajustam seus quinhões e produzem/utilizam em conjunto.
Porém os conflitos costumam se maximizar quando um dos condôminos resolve vender sua fração, arrendar, quando falece ou até mesmo se divorcia, e a relação que a princípio era bastante informal e pautada na confiança entre as partes passa a carecer de diretrizes, uma vez que estranhos/terceiros passam a fazer parte do condomínio.
Muitos litígios poderiam ser evitados se no momento da aquisição da propriedade em condomínio fossem previamente estabelecidas regras inerentes ao imóvel e a forma de sua administração e extinção, prevenindo litígios prováveis.
Por outro lado, é de extrema necessidade que sejam respeitadas, quando da formulação do contrato, as diretrizes da Lei, sob pena de inexecução ou até mesmo a sua nulidade, uma vez que, por exemplo, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento, salvo algumas exceções elencadas pela Lei 13.001/2014.
Diante das peculiaridades desta espécie de condomínio, para uma boa relação entre os coproprietários e uma boa administração da coisa é necessário seguir as normas estabelecidas pelo Código Civil, bem como estabelecer normas específicas de acordo com a vontade dos condôminos através de um contrato condominial.
Importante destacar algumas importantes regras previstas em Lei, que devem ser observadas ao se instituir um condomínio rural indiviso:
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Nenhum condômino pode dar posse, uso ou gozo da área comum a pessoas estranhas, pois em princípio, estes direitos são reservados aos coproprietários.
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Administração do condomínio, seja através de eleição entre os próprios coproprietários, ou com a contratação de terceiro externo a relação, sendo de suma importância a formalização do ato para evitar futura nulidade.
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O administrador deve seguir as normas estabelecidas pela Lei, ou as regras que o condomínio impor, tácita ou expressamente através do contrato, devendo prestar contas de sua gestão e agir de acordo com os poderes que lhe forem conferidos.
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A prestação de contas, caso não seja apresentada espontaneamente, pode ser requerida judicialmente, bem como sua destituição.
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A finalidade da propriedade somente pode ser alterada em comum acordo entre os condôminos.
Frente a essas questões e muitas outras previstas em lei ou aplicáveis ao caso concreto, torna-se imprescindível alertar sobre a necessidade e os cuidados ao se constituir um condomínio e firmar contrato, prevenindo posteriores litígios, que por muitas vezes trazem prejuízos não só no campo financeiro, mas familiar.
Desta feita, outro fantasma dos condomínios rurais é a dificuldade de acesso ao crédito, ante a dificuldade de individualizar as cotas e da regularização da situação de fato.
Por essas e outras razões é que, quando estamos diante de um bem indivisível, a extinção do condomínio fica prejudicada, nos termos que prevê o art. 87 do Código Civil: “os bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam”.
O maior problema está no fato de que, muitas vezes, as partes não conseguem visualizar o momento em que teríamos esta condição de indivisibilidade de uma área rural, o que comumente causa nulidades.
Um exemplo prático seria a divisão de uma área de 600 hectares, onde cada condômino ficaria com 200 hectares, todavia numa possível divisão, levando em conta somente a área, um condômino ficaria com a sede, o outro com uma área de reserva ambiental, já o outro com a lavoura. Esta situação o tornaria indivisível, pois algumas das partes sairiam extremamente prejudicadas, pois perderiam a capacidade produtiva da terra.
É por isso que, na grande maioria dos casos, a divisão da área considerando apenas o aspecto de medição pode afetar diretamente a proporção patrimonial, uma vez que inúmeros aspectos devem ser considerados, como a divisão de benfeitoria necessária, o acesso à água, bem como a distribuição das terras mais produtivas.
Estes aspectos tornam a extinção onerosa e dificultosa, além de muito desgastante.
A fração ideal torna-se um verdadeiro pesadelo quando da necessidade de extinção do condomínio, sendo necessária a contratação de um técnico para fazer o levantamento da área e propor a sua divisão real, se todos estiverem de acordo, sendo necessária a demarcação da área e a confecção de plantas com os respectivos memoriais descritivos, acompanhados da Anotação de Responsabilidade Técnica, para que assim o cartório possa fazer a escritura de divisão.
Com a extinção do condomínio nascerá a plena propriedade de cada interessado.
Parece simples, porém a concordância de todos não é algo fácil de alcançar, principalmente quando os ânimos já estão exaltados, motivo pelo qual é de extrema importância que tais ajustes sejam realizados através de contrato que anteceda tais momentos, podendo no decorrer da fruição do condomínio ser realizado aditivo, de acordo com as alterações sofridas pela propriedade, prevenindo assim não só prejuízos financeiros, mas desgastes e litígios.
ARIÁDINE GROSSI, advogada associada do Escritório Peixoto & Cintra Advogados, especialista em Direito Processual Civil – Teoria e Prática do Novo CPC, pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso (2016), especializanda e Direito Condominial, pela Faculdade Candido Mendes, em parceria com a CEBPJUR, expert em Direito do Consumidor, do Trabalho, Cobrança Judicial e Extrajudicial, Direito Imobiliário e Condominial, Membro da comissão de Direito Imobiliário e Secretária Geral Adjunta da Comissão de Direito Condominial, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Mato Grosso, palestrante e consultora condominial.