Protesto – algumas considerações

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No art. 1º da Lei nº 9.492/97, conhecida como Lei de protesto de títulos e outros documentos de dívida, encontramos o conceito legal de protesto:            

Art. 1º Protesto é ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.

Pode-se dizer que é um ato público, formal, extrajudicial e unitário, que tem por finalidade comprovar o não pagamento ou a falta de aceite ou, ainda, a não devolução ao credor de uma cambial ou documento de dívida. É o ato praticado pelo credor perante o competente cartório, para fins de incorporar ao título de crédito a prova de fato relevante para as relações cambiais

Além de trazer o conceito de Protesto, o art. 1º da Lei 9.492/97 inovou no ordenamento jurídico brasileiro ao possibilitar genericamente o protesto de “outros documentos de dívida”, que não os títulos de créditos – estes, historicamente, constituem os títulos protestáveis.

Muito se discutiu – e ainda se discute – sobre o que seria ou quais seriam esses tais documentos de dívida. Muitas das críticas e divagações partem da constatação de que a expressão “outros documentos de dívida” é muito ampla, dando margem a muitas interpretações.

A polêmica está longe de acabar. Mas cabe ressaltar, em virtude da mudança de paradigma incontestavelmente trazida pela carta Magna de 1988, que a idéia de completude dos códigos e leis está ultrapassada, prestigiando-se a abertura e flexibilização das normas em função dos princípios da socialidade, eticidade e operabilidade, preferindo o legislador editar dispositivos genéricos que possam sem completados ou moldados à realidade social, no tempo e no espaço, pelo aplicador do direito.

Assim, uma das formas que o legislador moderno tem para conferir essa abertura e flexibilização ao ordenamento jurídico é a opção por conceitos legais indeterminados, que são palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é abstrato e lacunoso, cabendo ao operador do direito, no momento da aplicação da norma, preencher o seu vazio e aplicá-la ou não ao caso concreto.

Na hipótese do art. 1º da Lei nº 9.492/97, por certo que cabe ao tabelião preencher o sentido da expressão” outros documentos de dívida”, no momento da apresentação do título a protesto, tarefa essa que não é fácil, mas que só corrobora a relevância de sua atividade, assemelhando-se à atividade jurisdicional, na medida em que o tabelião julga in concreto a aptidão do documento em face ao protesto, ou seja, se ele pode ser tido como um “documento de dívida” para os efeitos da referida lei.

Vejamos as seguintes posições doutrinárias:

Theofhilo de Azeredo Santos: “Parece-nos que documentos de dívida são todos aqueles em que há, inequivocamente, a indicação de relação de débito e crédito entre as instituições financeiras, sociedades, comerciais, industriais, agrícolas ou de serviços e , também, entidades civis e seus clientes (compradores ou usuários) e, ainda, entre pessoas físicas (…) Assim, a Lei nº 9.492 deixou margem para que outros documentos que vierem a ser criados pelos usos e costumes (v.g: faturas de cartão de crédito, contratos de “factoring”) ou por leis posteriores, sejam agasalhados pelo citado art. 1º.

Emanoel Macabu Moraes (2004, p.34): “Partindo do princípio de que o protesto foi criado para títulos cambiais, todos com força de títulos executivos extrajudiciais e aproveitando o conceito fornecido pela lei processual que exige a liquidez, certeza e exigibilidade, é presumível que a expressão outros documentos de dívida seja referente aos demais títulos executivos judiciais e extrajudiciais.”

Fato é que alguns tribunais já estão se manifestando a respeito do assunto, no sentido de orientar os tabeliões sobre o que poderia ser tido como “documento de dívida”. Além disso, as casas legislativas estão produzindo leis e regulamentos autorizando o protesto de dívidas tributárias, a exemplo da Lei nº 10.710/2000, do Estado de São Paulo.

Natureza da atividade

A natureza do Protesto de Títulos é a mesma da própria atividade notarial, ou seja, pública. Nos moldes do art. 236 da CF/88, o tabelião de protesto exerce, em caráter privado, uma delegação do poder público, significando que sua atividade e os atos que pratica possuem natureza pública. 

O art. 3º da Lei nº 9.492/97 c/c art. 11, da Lei nº 8.935/94, por sua vez, estabelecem a competência privativa dos tabeliães de protesto exerce, em caráter privado, uma delegação de poder público, significando que sua atividade e os atos que pratica possuem natureza pública.

O art. 3º da Lei nº 9.492/97 c/c art. 11, da Lei nº 8.935/94, por sua vez, estabelecem a competência privativa dos tabeliães de protesto, na tutela dos interesses públicos e privados, para a protocolização, a intimação, o acolhimento de devolução ou do aceite, o recebimento do pagamento, do título e de outros documentos de dívida, bem como para lavrar e registrar o protesto ou atacar a desistência do credor em relação ao mesmo, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos os atos praticados.

Portanto, se o ato praticado pelo tabelião tem natureza pública, e o protesto é privativo dos tabeliães, depreende-se daí que nosso ordenamento não há possibilidade de protesto privado, como existe em outros países. Há sim, de acordo com o art. 47, caput § 1º, da Lei nº 7.357/85, quanto ao cheque, que teve o pagamento recusado pela instituição bancária (sacado), a equiparação dos efeitos produzidos pela recusa escrita e datada pelo sacado no próprio cheque, ou declaração da câmara de compensação, também escrita e datada, com efeitos de protesto extrajudicial, dispensando o credor de promove-lo para garantir seus direitos cambiais. Mas isso não consiste em admitir a existência de protesto privado.               

Função(ões) do protesto

O art. 2º da Lei nº 9.492/97 repete para o protesto a finalidade maior de serviços notariais e registrais (art. 1º das Leis nº 6.015/73 e 8.935/94), informando que ele se presta a garantir a autenticidade, publicidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, especificamente as relações jurídicas que envolvam débito e crédito. Sua função precípua é produzir prova da apresentação do título ou documento de dívida ao devedor da obrigação, e, consequentemente, prova da recusa de pagamento, aceite ou devolução. Prova essa que vem com a marca da fé pública, o que implica dizer que confere autoridade e segurança jurídica acerca da validade dessa prova.

 O STJ já se manifestou, no REsp 121.746/RJ, no sentido de que o Protesto não é meio de cobrança e nem de coação, visto que não tem o condão de obrigar o devedor a cumprir forçadamente a obrigação inadimplida, mas é inegável que, na prática, funciona como um meio de cobrança célere e eficaz.

{…} é remédio ao inadimplemento, é o ponto de saneamento dos conflitos de crédito cambial presentes e de prevenção de negócios futuros, é meio simples, célere e eficaz de satisfação de boa parte dos títulos não honrados em seu vencimento; exerce, enfim, função de cura e de profilaxia jurídica e, também por isso, não é apêndice, mas integra a medula do sistema cambiário, com sua presença medicinal entre a vida e morte dos títulos de crédito.

Essa faceta preventiva de litígios, gerada pela força coercitiva prática do instituto do protesto é relevante.

Os contribuintes convocados a comparecer ao Tabelionato de Protesto, que quitam as suas dívidas no tríduo legal, estão em uma média estimada de 70% dos casos. Isso se deve, principalmente, aos efeitos negativos que o protesto pode gerar na vida civil e econômica de todo cidadão.

 Além disso, o Protesto Extrajudicial vem se firmando como um dos maiores meios de composição de conflitos de interesse, evitando a formação de lides na esfera do Judiciário. De fato, quanto maior o incremento da atividade de protesto de títulos, alcançando os mais variados “documentos de dívida”, maior será a redução de gastos para a população e para o poder público, visto que os emolumentos saem bem mais em conta para o cidadão do que uma demanda judicial, recaindo todos os custos do procedimento extrajudicial sobre os tabelionatos de protesto, aliviando a estrutura humana e financeira do Poder Judiciário.

Efeitos do Protesto

São vários os efeitos do Protesto, sendo o principal deles o de assegurar ao portador do título os direitos cambiários em relação aos devedores indiretos, haja vista que só por meio dele pode o credor provar o não pagamento pelo aceitante da letra de câmbio, o emitente da nota promissória e o aceitante da duplicata, nos termos do art. 44 c/c 53 da LUG. Dessa forma, o não protesto por falta de pagamento se traduz na extirpação dos direitos cambiários do portador para com os devedores indiretos.

Com relação à recusa de aceite (somente para letras de câmbio e duplicatas), se o portador deixar de promover o protesto não significará, necessariamente, a perda dos seus direitos cambiais, já que o aceite pode ser dado posteriormente, contudo, se esse protesto não for efetuado o sacado jamais integrará a relação cambial, permanecendo o direito do portador contra o sacador, que terá direito de regresso contra o sacado, com base na relação contratual existente entre os dois.

De outra sorte, uma vez efetuado o Protesto por falta de aceite, o portador do título adquire o direito de executar os endossantes, sacador e outros coobrigados, antes de vencido o título (art. 43 c/c art. 44 da LUG), em virtude da demonstração inequívoca do sacado de que não irá pagar o título no vencimento, sendo descabido obrigar o credor a aguardar o vencimento para poder acionar os coobrigados.

Outro efeito importantíssimo do Protesto é a caracterização da impontualidade para fins de falência, no caso de devedor empresário, na forma do art. 94, I, § 3º, DA Lei nº 11.101/05, assim como serve para fixar o termo legal da falência (art. 99, II, do mesmo diploma), e o termo legal da liquidação extrajudicial das pessoas jurídicas sujeitas ao regime da Lei nº 6.024/74 (art. 15, §2º).

O Protesto também tem influência no cálculo dos juros moratórios e correção monetária. Por fim, cumpre destacar o efeito de interrupção do prazo prescricional do direito cambial do credor, estabelecido pelo art. 202, III, do Código Civil de 2002, rompendo com o entendimento sedimentado na Súmula nº 153 do STF, pelo qual o protesto cambial não tinha força para interromper a prescrição da ação de execução.

Material de Direito Notarial e Registral da UCAM

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