Amortizar significa abater uma obrigação em partes, em outras palavras, a amortização compreende obrigações cumpridas em tratos sucessivos. Nos sistemas de amortização, em regra, cada prestação é formada pela soma de uma fração do capital com os juros do período. No sistema de amortização misto (SAM), a prestação e juros correspondentes ao período são calculados pela média aritmética do valor das parcelas e dos juros do mesmo período pelos sistemas de amortização constante e francês; no sistema americano, durante o prazo convencionado, são pagos apenas juros periódicos, restando o capital integral para pagamento no final; o sistema alemão é semelhante ao sistema francês com juros pagos no início e não no final do período etc.
A par desses sistemas, no Brasil são utilizados, basicamente, o sistema francês ou tabela “price” e o “Sistema de Amortizações Constante” (SAC). Alhures, defendemos com convicção a existência de juros capitalizados de forma composta na sistemática de apuração das parcelas pelo sistema de amortização denominado “sistema francês” ou “tabela price” (nesse sentido, nossa obra: Obrigações, abordagem didática – Ed. Juarez de Oliveira).
Sendo assim, a tabela price envolve a cobrança de juros capitalizados de forma composta, o que afronta o disposto no art. 4º, do Decreto nº 22.626/33. Demais disso, esse sistema infringe o princípio da transparência em razão da necessidade de fórmula paramétrica para obtenção do valor das parcelas, o que é vedado pelo art. 52, do Código de Defesa do Consumidor. A própria análise das obras do Dr. Richard Price nos leva à conclusão da capitalização composta de juros nesse sistema, o que o torna ilegal se a capitalização não respeitar a periodicidade anual. De fato, na obra Observations on Reversionary Payments (Londres, T. Cadell, in the Strand, M.DCC.LXXI), o Dr. Richar Price define um plano de amortização da dívida pública do Reino Unido, fundamentada em juros capitalizados de forma composta, o que originou a atual tabela Price. De outro lado, utilizado cada vez com mais frequência, substituindo gradativamente a tabela price nos financiamentos imobiliários, surge o SAC (“Sistema de Amortização Constante”).
O “Sistema de Amortização Constante”, bastante simples, não envolve os labirínticos cálculos e digressões matemáticas requeridos para a compreensão do sistema francês. Com efeito, as amortizações periódicas são todas iguais ou constantes (no “sistema francês” as amortizações crescem exponencialmente à medida que o prazo aumenta). O SAC consiste no plano de amortização de uma dívida em prestações periódicas, sucessivas e decrescentes, em progressão aritmética, dentro do conceito de termos vencidos, em que o valor de cada prestação é composto por uma parcela de juros e outra parcela de capital (ou amortização). Os valores das prestações são facilmente calculados. A parcela de capital é obtida dividindo-se o valor do empréstimo (ou financiamento) pelo número de prestações, enquanto o valor da parcela de juros é obtido pela multiplicação da taxa de juros pelo saldo devedor existente no período imediatamente anterior (José Dutra Vieira Sobrinho. Matemática Financeira. São Paulo: Atlas, 1997, p. 230).
Sendo assim, o “Sistema de Amortização Constante” não importa na capitalização composta de juros e, sob tal aspecto, não afronta o art. 4º, do Decreto nº 22.626/33. As amortizações correspondem exatamente a uma parcela do capital em razão do prazo. Conseguintemente, não resta capital excedente para contagem de juros, como ocorre na tabela price. Para comprovar essa afirmação, corrobora a inferência que se extrai da comparação do valor total dos juros cobrados pelo “Sistema e Amortização Constante” com o valor total dos juros cobrados em cada parcela pela sistemática de apuração do montante (valor futuro) com juros capitalizados de forma simples, cujos resultados são idênticos. Mas, ainda assim, poder-se-ia redarguir com a alegação de que os juros são cobrados sobre a totalidade do capital e, sendo assim, restaria ilegal sua aplicação em virtude de antecipar juros vincendos na medida em que são aplicados sobre a integralidade do capital e não sobre as parcelas. Não é assim. De acordo com o art. 6º, do Decreto nº 22.626/33, os juros, capitalizados de forma simples, devem ser pagos com a parcela do capital a que se referem.
Com supedâneo nesse dispositivo, quando os juros ajustados forem pagos por antecipação, o cálculo deve ser feito de modo que a importância desses juros não exceda a que produziria a importância líquida da operação no prazo convencionado. No “Sistema de Amortização Constante” a importância líquida da operação não ultrapassa esse limite. Portanto, não há afronta ao Decreto nº 22.626/33. Ultrapassada essa barreira, surge outra dificuldade para afrontar a afirmação inicial de que não há juros capitalizados de forma composta no “Sistema de Amortização Constante”, consistente na apuração de cada parcela – capital inicial pela fórmula de obtenção do valor atual de acordo com os juros capitalizados de forma simples aplicada a cada parcela desse sistema. Entrementes, no “Sistema de Amortização Constante” são pagos juros idênticos àqueles devidos pelo cálculo de juros capitalizados de forma simples sobre cada parcela de capital, de tal sorte que há respeito ao disposto no art. 6º, do Decreto nº 22.626/33.
O que a lei exige é que o valor total de juros pagos seja idêntico àquele apurado com a aplicação de juros capitalizados de forma simples às parcelas de capital. Isso ocorre no “Sistema de Amortização Constante”. Em consonância com o acatado, seja sob a ótica da inexistência de capitalização composta de juros, seja sob o prisma de antecipação de juros com resultado idêntico quanto aos valores cobrados pelo cálculo de juros simples, não há ilegalidade no “Sistema de Amortização Constante” (SAC). Tampouco, o “Sistema de Amortização Constante” afronta a boa-fé e o princípio da transparência exigido pelo Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, o valor das prestações é constante, de simples apuração, bastando, para tanto, dividir o capital pelo prazo, inexistindo, assim, fórmulas paramétricas complexas para sua apuração.
Os juros contratados incidem sobre o capital amortizado.
Contudo, mesmo no “Sistema de Amortização Constante”, resta imprescindível a informação do valor total a prazo, como em qualquer sistema de amortização, acorde com o disposto no art. 52, da Lei nº 8.078/90. Nada obsta essa informação, mediante simulação do valor das prestações pelo prazo convencionado. Sendo assim, o valor total a pagar, com financiamento, deve ser informado expressamente no contrato, sob pena de nulidade, nos termos dos arts. 4°, III, 46, 52 e 54, do Código de Defesa do Consumidor. Certo é que, se houver amortização extraordinária, o valor total pago pelo sujeito passivo da obrigação será menor, o que não impede a prestação da informação nos termos da contratação original.
Diário das Leis 2ª quinzena – Agosto 2019 – nº 16
Luiz Antonio Scavone Junior* O autor é Advogado em São Paulo, SP. Administrador pela Universidade Mackenzie. Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP. Professor de Direito Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie e de pós-graduação em Direito Imobiliário da Escola Paulista de Direito – EPD. Autor de diversas obras e coordenador do curso de Direito Imobiliário da EPD.