A pandemia causada pelo vírus Sars-cov-2 é algo sem precedentes na história mundial, o que implicou mudanças radicais no funcionamento da sociedade, causando impactos em todas as áreas. Passado um ano desde o início da pandemia, muitas dúvidas e conflitos ainda surgem no âmbito condominial sobre as medidas preventivas que podem ou não ser adotadas pelo síndico para evitar a propagação do vírus no condomínio.
Uma das medidas mais polêmicas, sem dúvida, é o fechamento das áreas comuns, o que, não raras as vezes, gera uma série de embate entre condôminos e síndico. Tentaremos abordar nesse breve artigo se o síndico de fato possui essa prerrogativa.
Das áreas comuns
Incialmente, é preciso entender a natureza do condomínio edilício, que é constituído por partes autônomas. Estas, por sua vez, são inseparáveis das partes comuns, conforme disposto no art. 1.331, §3º do Código Civil:
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
(…)
§ 3 o A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio.
Conforme determina a lei, as áreas comuns de um condomínio estão ligadas indissociavelmente às partes exclusivas pertencentes a cada condômino, de forma a integrar sua propriedade.
Contudo, ao passo que o condômino pode usar, fruir e dispor livremente de sua propriedade exclusiva, as partes comuns são usadas concomitantemente com os demais condôminos, sendo vedado que se exclua a utilização destas áreas pelos demais compossuidores (Art. 1.335, incisos I e II do CCB/2002).
Assim, partes exclusivas e comuns integram o direito fundamental à propriedade do condômino, prevista no art. 5º, inciso XXII da Constituição Federal.
Da responsabilidade e dos poderes do síndico
Nessa esteira, entendido que as áreas comuns integram a propriedade do condômino, pergunta-se: teria o síndico os poderes de restringir o acesso às áreas comuns, limitando o direito de propriedade dos condôminos?
Em tempos comuns, entendemos que as vozes dos profissionais atuantes na área seriam uníssonas ao negar essa possibilidade, justamente por representar um cerceamento ao direito constitucional de propriedade. Contudo, o contexto atual de pandemia nos impõe realizar essa análise sob um outro olhar, principalmente por demandar observância às normas legais impostas pelos órgãos públicos em todas as esferas de governo.
Ao relacionar as competências do síndico, o texto legal é um tanto seco e, por óbvio, no momento de sua elaboração, não consegue antever e regular todas as situações futuras, como é o caso da pandemia do coronavírus, cabendo, portanto, sua interpretação de forma contextualizada.
Dessa forma, dispõe o Código Civil quais são as atribuições do síndico:
Art. 1.348. Compete ao síndico:
(…)
V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores.
A norma legal diz que compete ao síndico a conservação e guarda das partes comuns, disposição que interpretada e conjugada com a situação atual de pandemia, bem como com as normas dos entes políticos que determinam maiores restrições ante o agravamento da pandemia provocada pelo Sars-Cov-2, nos leva a entender que o síndico não só pode, como deve providenciar medidas que visem a diminuição do perigo de contágio e disseminação do vírus dentro do ambiente condominial, de forma a proteger não apenas os condôminos, mas também seus colaboradores.
A nosso ver, respeitadas as visões em contrário, não há que se falar em violação ao direito de propriedade, ao passo que qualquer direito pode sim ser limitado em razão de um interesse maior que, no caso, é a saúde pública, cabendo ao síndico, na qualidade de gestor do condomínio, promover tais restrições em razão do bem comum.
Dessa forma, as restrições temporárias do uso das áreas comuns pelo síndico visando exclusivamente a impedir ou minimizar a disseminação do vírus no ambiente condominial são razoáveis e em muitas localidades são amparadas por leis e decretos, não se tratando, portanto, de afronta ao direito de propriedade.
No entanto, é importante que se ressalte que tais restrições precisam ser tomadas com base no bom senso e razoabilidade, com observância das determinações dos órgãos públicos e das recomendações sanitárias que condenam a aglomeração de pessoas.
Existem áreas do condomínio que podem ser usadas sem que haja aglomerações, que é o caso de academias, piscinas, quadras que podem sofrer restrições parciais, havendo limitação de seu uso por meio de reserva por condômino sozinho ou de outras pessoas de seu núcleo familiar, evitando o uso simultâneo por diversas pessoas.
Tendo em vista que cada condomínio possui suas próprias peculiaridades, é importante o síndico observar a realidade do condomínio que administra, sempre levando em consideração as determinações dos entes públicos locais. É plenamente possível, portanto, a utilização desses espaços de forma controlada, com regras, agendamento e adequada higienização com álcool pelo condômino ao término do uso.
Entendemos que os demais espaços que naturalmente importam aglomeração de pessoas, como churrasqueiras e salões de festas, ou aqueles para a prática de esportes coletivos ou com profissionais estranhos ao condomínio, podem ser temporariamente fechados pelo síndico, sobretudo durante o período de agravamento da curva de contaminação e colapso no sistema de saúde.
Ademais, vale lembrar ainda que o síndico deve ter muito cuidado em relação às normas de restrição impostas pelo poder público, uma vez que o Código Penal tipifica como crime, em seu art. 268, infrações de medidas sanitárias preventivas, vejamos:
Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.
Dessa forma, como o síndico representa o condomínio nos termos do art. 1.348, inciso II do Código Civil, pode ser responsabilizado civil e criminalmente por suas ações ou omissões, razão pela qual deve ficar muito atento às medidas impostas pelos entes políticos, de forma a adotar as cautelas necessárias como a limitação do uso das áreas comuns.
Conclusão
Vivemos um período excepcional, que desafia medidas excepcionais, inclusive no âmbito condominial. Entendemos, portanto, que pode o síndico como gestor, cabendo-lhe a guarda das áreas comuns, restringir espaços e atividades que gerem aglomeração, bem como limitar o uso de áreas comuns a um condômino e seu núcleo familiar por vez, de forma a evitar o risco de contágio e propagação do vírus Sars-cov-2 dentro do ambiente condominial.
Não se trata a nosso ver de limitação do direito de propriedade, mas sim de ponderação entre direitos constitucionais, prevalecendo, neste caso, o direito à saúde. Como gestor, o síndico tem o poder-dever, sempre se valendo do bom senso e razoabilidade, observando a realidade do seu próprio condomínio, de adotar medidas de prevenção, sobretudo quando há normas dos órgãos públicos que proíbam aglomerações e eventos particulares, sob pena de responder civil e criminalmente pelos seus atos.
Luciana Caribé [1]
[1] Advogada, membro do IBRADIM, pós-graduanda em Direito Imobiliário e Notarial e em Direito Condominial e membro da comissão de Direito Condominial da ABA RJ