Confesso para vocês que para mim é muito ruim, como advogada, ter que notificar colegas síndicos por atos de má gestão, pois como atuo também como síndica profissional, fico realmente triste ver como alguns profissionais desmerecem a nossa classe. Mas como exerço minha função de advogada consultiva condominial e tenho muito orgulho disso, e mais orgulho ainda de defender a ética e a disciplina em nosso meio, aceitei mais este desafio para esta notificação extrajudicial.
A empresa notificada, exerceu o cargo de síndica do condomínio, ora notificante neste caso, desde a implantação do residencial em Assembleia Geral de Instalação, que ocorreu em 30 de agosto de 2016, permanecendo na gestão dom condomínio até o dia 16 de agosto de 2019.
Todos nós já estamos “carecas de saber” o que é dever do síndico: “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns”, conforme preconiza do artigo 1348 do Código Civil:
“Art. 1.348 – Compete ao Síndico:
V- diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;
Pois bem, após a extinção do contrato de prestação de serviços de sindicatura firmado com a notificada, a gestão atual do condomínio em consulta aos documentos relativos ao residencial, sobretudo daqueles em que há muito tempo apuraram os vícios construtivos existentes na edificação, verificou a inexistência de acionamento da construtora por parte da notificada no período em que ela exerceu o gerenciamento do condomínio, não cumprindo a sua obrigação contida no artigo 1348, do Código Civil, que descrevi acima.
Para confirmar este fato, foi realizado um laudo de vistoria por uma empresa idônea de inspeções prediais que apontou diversos vícios e anomalias construtivas em todo o empreendimento, tais como: infiltrações nos muros de divisa, infiltrações nas garagens, revestimentos danificados e/ou faltando, trincas nos revestimentos externos da área térrea, vazamentos nas tubulações das garagens, rachaduras na laje do topo e laje de serviço, proteção mecânica do sistema de impermeabilização faltando ou danificada, guarda corpo faltando e/ou danificado entre muitos outros.
Com base neste extenso laudo, o condomínio notificou a construtora com o objetivo de obter a solução para os defeitos construtivos apurados, porém para a surpresa do mesmo, a construtora se negou a cobertura sob a alegação que a garantia para os itens apontados, já havia sido expirada.
Preciso deixar claro que os defeitos construtivos eram de plena ciência da antiga síndica, pois já exercia o cargo do condomínio desde 30 de agosto de 2016 e não foi localizada qualquer comunicação com a construtora com o fim de notifica-la a providenciar a reparação dos defeitos ali apontados, lavando-se à conclusão de que a síndica deixou transcorrer “in albs” o prazo de garantia, ou seja, sem qualquer manifestação por parte da síndica, já que era responsabilidade desta.
Vamos recordar:
De acordo com a ABNT NBR 13752 vícios construtivos são: “Anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causando transtornos ou prejuízos materiais ao consumidor.”
Já os VÍCIOS OCULTOS são as falhas construtivas inexistentes no ato da entrega (ou só detectáveis nessa ocasião por técnicos especializados), e que surgem ou só são detectadas algum tempo depois da entrega.
Não bastassem as responsabilidades do síndico previstas em lei, a responsabilidade civil do síndico encontra respaldo nos artigos do Código Civil 186 e 927, que dispõe sobre as matérias que dizem respeito à ação ou omissão lesiva, culpa e dano.
Dispõe o artigo 186, do Código Civil:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Quanto ao dever de reparação, o artigo 927, do mesmo diploma prevê que:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Devo mencionar ainda que a responsabilização do síndico pode ser de forma objetiva, ou seja, ocorre a obrigação de indenizar pelo simples evento e, esta responsabilização, decorre do não cumprimento da sua obrigação ou em razão do cumprimento de maneira diversa do estabelecido, podendo também sua definição atingir tanto atos comissivos como omissivos, onde a omissão também gera responsabilidades ao agente.
Portanto, cabe ao síndico na administração do condomínio, o cumprimento dos encargos que a Lei, a Convenção e o Regimento Interno lhe atribuem, em especial os deveres previstos no Código Civil (artigo 1348) e na Lei 4.591/64 (artigo 22, § 1º, letra “a”) e a ausência do cumprimento do encargo, por certo ensejará a responsabilização do síndico, caso verificado o prejuízo ao condomínio.
No caso desta notificação, as normas técnicas vigentes definem o modo que o plano de manutenção no condomínio deveria ser executado (ABNT NBR 5674, SINDUCON, Manual do Síndico, etc.), que são atreladas às outras regras que definem as garantias e a vida útil do empreendimento e a negligência da sindicatura com relação ao dever de obediência a tais diretrizes, submetendo o condomínio deste caso à um enorme prejuízo, haja vista a negativa da garantia pela construtora.
Não me restou outra saída, e tive que notificar a empresa de sindicatura, com fim de resguardar os direitos e prevenir responsabilidades, para que apresentasse todos os documentos que comprovassem que a empresa comunicou em tempo hábil, ou seja antes de expirada a garantia (através de notificações, solicitações, chamados técnicos, e-mails trocados com a construtora, etc.) à construtora e incorporadora, sobre os vícios construtivos apurados no condomínio, já que eram de plena ciência da síndica que ficava à frente do condomínio desde o início do exercício da sindicatura, bem como apresentasse e procedesse às documentações legais recebidas na implantação do condomínio, não localizadas no empreendimento.
Naquela época foi dado um prazo de 7 dias para e empresa da síndica, que não foi cumprido e infelizmente ela não conseguiu comprovar que agiu com zêlo na prestação dos seus serviços, fazendo com que o condomínio perdesse o prazo junto à construtora: algo gravíssimo.
O caso deu seguimento em nosso departamento contencioso e provavelmente não terá um bom desfecho para esta empresa de síndicos profissionais.
Lembre-se: o profissional que trabalha como síndico lida com grandes deveres perante o condomínio, ele tem muito mais obrigações do que direitos. Alguns acham que ser síndico é ter grandes poderes, mas lembrem-se que “grandes” poderes trazem grandes, enormes responsabilidades para o síndico!
Síndicos DEVEM sempre seguir as regras e atuar com base na transparência e ética, e estar atento à tudo o que acontece dentro deste micro organismo que é o condomínio!
Amanda Accioli
Síndica Profissional
Advogada Consultiva Condominial
Instagram: @acciolicondominial