O notariado brasileiro

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O Direito Notarial brasileiro não teve a mesma evolução experimentada na Europa e em outros países sul-americanos.

As primeiras disposições sobre o notariado estão contidas nas Ordenações Filipinas de 1603. Como se não bastasse esse intervalo de tempo, esse estatuto simplesmente reproduz o Regimento dos Tabeliães de 13 de janeiro de 1304 editado pelo rei D. Diniz de Portugal. Então, não seria descabido dizer que a regulamentação original da função notarial brasileira é, em alguns pontos, desta época.

O articulado sobre os Tabeliães de Notas existente nas Ordenações Filipinas, livro 1, título 78, ao invés de regular a profissão e a forma do seu exercício, possui muito mais um caráter punitivo. Assim, as normas existentes nessas disposições dizem o que acontecerá ao tabelião caso ele cometa um erro ou uma falta, além de fazerem menção principalmente aos testamentos.

Nos idos do Império, durante muitos anos, não se exigia do notário brasileiro uma aptidão específica para o exercício da profissão. As exigências da época eram a de que o tabelião de notas ou notário público deveria ser um homem honesto, verdadeiro, circunspecto, diligente e intelectualmente habilitado para compreender, redigir e escrever os atos próprios do seu ofício.

Vemos que requisitos profissionais, na acepção da palavra, eram muito poucos, porque o elenco de exigências demonstrado pelo autor podia ser encontrado em leigos. Somente podemos dizer que são predicados próprios da profissão, a diligência e o intelecto do tabelião em compreender a vontade das partes e redigir o documento notarial. As demais características eram mas mesmas exigidas desde o Direito Romano.

Essa realidade sobreviveu ao Período Imperial, chegando até nossos dias, quando constatamos que muitas dessas características foram conservadas. Evidentemente, nos últimos anos, já não se requer boa letra para o desempenho da função, mas, muitas vezes, estamos atados à pessoalidade. Com o advento do Código Civil de 1916, pouco foi alterado. A função notarial continuava a ser regulamentada pelas Ordenações Filipinas, somente com alterações quanto à madeira de formalizar os testamentos públicos e de aprovação dos testamentos cerrados.

Tendo inexistido regras orgânicas sobre o notariado, pouco se sabe a respeito da função notarial, apesar de que, a todo o momento, em seus atos, o tabelião brasileiro esteja desempenhando esta função. Sua exteriorização é que está prejudicada pela falta de uma lei.

Fruto da falta de uma legislação específica, sente-se, em primeiro lugar, a não autonomia do notário brasileiro. É notário do tipo latino, visto como funcionário público sui generis, porquanto seu sistema de remuneração é direto. Essa falta de autonomia é legado da época colonial, quando o tabelião era empregado público encarregado de contratos entre particulares. Distingue-se o profissional brasileiro de seus companheiros de outros países, como na Alemanha, onde não são funcionários públicos no sentido estrito, mas, sem qualquer dúvida, são titulares de cargos públicos.

Essa dicotomia brasileira é sentida em vários campos do Direito. De acordo com o sistema anterior à Constituição da República de 1988 e da edição da Lei nº 8.935/~1994, os notários eram funcionários públicos enquadrados na categoria de serventuários da Justiça, estando sob o abrigo do Poder Judiciário, mas ao mesmo tempo não integravam verdadeiramente este Poder. Eram funcionários híbridos, conhecidos como servidores extrajudiciais, em contraposição aos auxiliares da Justiça, regulando interesses privados, que necessitavam de autonomia para o desempenho de suas funções, apesar de estarem sujeitos ao Poder Judiciário, principalmente no campo disciplinar.

À parte esta falta de autonomia profissional, também pouco podemos dizer sobre a existência de normas reguladoras destinadas à materialização da função notarial. Se nas Ordenações Filipinas as regras existentes são de caráter punitivo, resta-nos saber de onde procedem as determinações que devam seguir os tabeliães. Estas estão espalhadas em diversos regulamentos ditados pelos Tribunais de Justiça de cada Estado da Federação, a evidenciar que inexiste uma norma reguladora uniforme.

Os tênues princípios para uma uniformidade somente existiam no Código Civil de 1916, na parte relativa aos testamentos e a respeito do conteúdo essencial das escrituras públicas, com a alteração do art. 134 do mesmo diploma legal, ocorrido em 1981, e com as Leis Disciplinadoras de 1985 e 1986. Mas, como esta legislação somente mencionava as normas gerais, proliferam regulamentações complementares distintas e até conflitantes em todo o País, totalmente apartadas do cunho social da função notarial. E, estas mesmas características foram repetidas no Código Civil de 2002.

Por tal gama de motivos, quando se falava em documento notarial, imaginava-se, de pronto, as chamadas fórmulas tabelioas, antigas e, muitas vezes, desatualizadas, passíveis de serem encontradas em qualquer livraria jurídica, como parte integrante de livros de formulários. Muitos creem, inadvertidamente, que com o auxílio de uma fórmula, visando a um linguajar erudito e a um jargão característico, chega-se à elaboração acertada de um documento público.

Com a finalidade de evitar estes anacronismos existentes até hoje que o mundo jurídico brasileiro necessita e merece uma lei notarial, para, com organicidade, estabelecer as normas necessárias para o modo de seu exercício e os requisitos dos documentos públicos.

A necessidade dessa legislação eminentemente notarial não foi preenchida com a edição da Lei n° 8.935/1994, conhecida como Lei dos Notários e Registradores. Este texto visa, única e exclusivamente, a dispor sobre a organização funcional das atividades. Tanto é assim que, para os Registros Públicos, já no início do Século XX foram editadas as primeiras leis registrarias, estando a matéria, atualmente, concebida na Lei nº 6.015/1973. Já para os tabeliães de protesto, a atividade é perfeitamente desenhada na Lei nº 9.492/1997.

Fonte: Material de Direito Notarial e Registral da UCAM

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